Declaração final do grupo de trabalho sobre a Paz

2017
Statement
3 fevereiro
Eng

Declaração final do grupo de trabalho sobre a Paz

Ethics in Action for Sustainable and Integral Development

Declaração final do grupo de trabalho sobre a Paz
Photo: Gabriella C. Marino

A paz positiva e seus pilares

As religiões do mundo são baseadas na paz, pedem por paz e promovem a paz. Líderes religiosos, desde o tempo dos profetas, têm exortado a respeito de “converter as espadas em enxadas" [1]. “Bem-aventurados são os pacificadores”, declara Jesus nas bem-aventuranças. Mulçumanos, hindus, budistas, jainistas, sikhs, indígenas e outras religiões entendem – cada um à sua maneira – que a paz é o verdadeiro “nome” de sua religião. Por meio das diversas religiões, a doutrina de não matar e respeitar a vida é profundamente compartilhada.  A obrigação de promover a paz é um imperativo moral e espiritual em diferentes tradições religiosas. Sendo assim, interpretações de religiões que vão contra a paz são autocontraditórias.

Para todas as religiões do mundo, a paz vai além da mera ausência de guerra. Essas tradições, cada vez mais, compartilham uma visão da “paz positiva” enraizada na dignidade do indivíduo e na unidade de todos, baseada na experiência que cada religião tem do transcendente. A visão da paz positiva é construída sobre quatro pilares essenciais explícitos na encíclica Pacem in Terris (Paz na Terra, 1963) do Papa João XXIII, mas que são aceitos por outras religiões, em seus próprios termos, como pilares que refletem o mais profundo desejo do espírito do homem – verdade, justiça, caridade e liberdade. Desta forma, a paz positiva requer a revelação da dignidade humana de uma forma que é, diretamente, ligada em honrar os direitos e à execução das responsabilidades recíprocas. Isso também está intimamente ligado à nossa obrigação comum de buscar o bem do próximo e evitar o mal pelo avanço do bem-estar compartilhado, o que inclui viver em harmonia com a natureza.

A diversidade de religiões afirma que essa visão positiva da paz exige o cultivo paciente e resoluto das virtudes pessoais e das instituições orientadas por valores. De fato, os pilares da paz positiva devem ser apoiados por virtudes como respeito mútuo, confiança e a não-violência.

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A paz positiva e seus pilares

As religiões do mundo são baseadas na paz, pedem por paz e promovem a paz. Líderes religiosos, desde o tempo dos profetas, têm exortado a respeito de “converter as espadas em enxadas" [1]. “Bem-aventurados são os pacificadores”, declara Jesus nas bem-aventuranças. Mulçumanos, hindus, budistas, jainistas, sikhs, indígenas e outras religiões entendem – cada um à sua maneira – que a paz é o verdadeiro “nome” de sua religião. Por meio das diversas religiões, a doutrina de não matar e respeitar a vida é profundamente compartilhada.  A obrigação de promover a paz é um imperativo moral e espiritual em diferentes tradições religiosas. Sendo assim, interpretações de religiões que vão contra a paz são autocontraditórias.

Para todas as religiões do mundo, a paz vai além da mera ausência de guerra. Essas tradições, cada vez mais, compartilham uma visão da “paz positiva” enraizada na dignidade do indivíduo e na unidade de todos, baseada na experiência que cada religião tem do transcendente. A visão da paz positiva é construída sobre quatro pilares essenciais explícitos na encíclica Pacem in Terris (Paz na Terra, 1963) do Papa João XXIII, mas que são aceitos por outras religiões, em seus próprios termos, como pilares que refletem o mais profundo desejo do espírito do homem – verdade, justiça, caridade e liberdade. Desta forma, a paz positiva requer a revelação da dignidade humana de uma forma que é, diretamente, ligada em honrar os direitos e à execução das responsabilidades recíprocas. Isso também está intimamente ligado à nossa obrigação comum de buscar o bem do próximo e evitar o mal pelo avanço do bem-estar compartilhado, o que inclui viver em harmonia com a natureza.

A diversidade de religiões afirma que essa visão positiva da paz exige o cultivo paciente e resoluto das virtudes pessoais e das instituições orientadas por valores. De fato, os pilares da paz positiva devem ser apoiados por virtudes como respeito mútuo, confiança e a não-violência. A tolerância, enquanto necessária, deve ser reforçada com verdadeira solidariedade. Do mesmo modo, a justiça deve ser sempre executada em conjunto com a misericórdia, pois do contrário, a justiça humana seria uma fundamentação imperfeita para a paz. Além disso, o cultivo de virtudes pessoais não é o suficiente – essas virtudes devem também encontrar expressão institucional, de modo a desafiar e transformar as estruturas de violência e injustiça naquelas que nutrem a paz. Como observou o Papa Francisco, a paz é uma “virtude ativa” que exige o engajamento e cooperação de cada indivíduo e a sociedade como um todo. A paz é o nosso destino verdadeiro que faz com que persegui-la seja nossa responsabilidade e alcançá-la seja nosso direito.

Desafios para a paz

A paz é comprometida sempre que a verdade, a justiça, a caridade e a liberdade – os pilares da paz positiva – são minados; sempre que as virtudes relacionadas ao respeito mútuo, confiança, solidariedade e misericórdia são negadas; e sempre que as instituições ferem a dignidade humana e falham servir ao bem comum.

Existem muitas causas imediatas de guerra. Algumas guerras se enraízam no medo, no desespero, em ameaças percebidas e em verdadeiras privações e injustiças. Atualmente, um problema é o risco de conflito agravado pela extrema pobreza e desigualdade, pela marginalização persistente e exclusão social, e pelo avanço alarmante da degradação ambiental. Neste viés, as mudanças climáticas podem ser vistas como uma guerra silenciosa no planeta, e o Acordo de Paris como um tratado de paz. Outras guerras possuem fundamentos mais desprezíveis – motivadas pela busca por lucros, terras, recursos, glória, vingança, rendimentos ou vantagem geopolítica. Independentemente das causas, guerras violam a dignidade humana e destroem o tecido do bem comum. Elas fornecem terrenos férteis para demagogos espalharem medo e ódio. As guerras representam a falência da política e, normalmente, são mais fundamentadas em mentiras do que em verdades. Deve ser reconhecido também que este é um momento particularmente perigoso para a paz, com as tensões pairando o mundo. O Relógio do Apocalipse (Doomsday Clock) do Boletim de Cientistas Atômicos, atualmente, marca 2 minutos e meio para meia-noite, sinalizando o maior risco de apocalipse desde 1953.

Muitas religiões têm reconhecido que algumas guerras podem ser consideradas, num sentido limitado, “justas”, porque são defensivas, um último recurso, são legais, poupam não-combatentes e usam força militar limitada que é proporcional à causa do conflito. Atualmente, numa era em que armas são usadas em áreas comuns a civis e militares, o limite para uma guerra, tecnicamente “justa”, deve ser extremamente alto. E mesmo que uma guerra possa ser considerada “justa”, ela remete à uma profunda falha no ideal da não-violência.

Embora muitas guerras acabem acontecendo apesar dos intensos esforços de prevenção de muitos líderes religiosos e de comunidades; muitas vezes, as religiões estão, tragicamente, envolvidas em guerras. Líderes demagogos podem afirmar que a comunidade local ou nacional está ameaçada em sua identidade religiosa, e procuram mobilizar a religião para justificar a violência ou para ganhar poder político. Promotores da violência podem apelar para textos e tradições religiosas para defender a violência. Trabalhando juntos com respeito mútuo, as religiões do mundo tem, bravamente, começado a rejeitar a violência em nome da religião – e devem fazer isso de maneira muito mais firme.

O Papel da Religião

Trabalhando juntas, as comunidades religiosas promovem a paz de três principais formas. Primeiro: elas proveem uma base ética compartilhada para a paz, enraizada nos conceitos de dignidade humana, no bem comum e na regra áurea [2]. Segundo: as religiões são bem equipadas para uma construção estratégica da paz – coordenando recursos locais, nacionais e internacionais para eliminar conflitos violentos, empenho pela justiça social, e construindo elos de cooperação e solidariedade. Terceiro: as religiões podem utilizar suas experiências de misericórdia, compaixão e a capacidade de amar e se doar para absorver os sofrimentos causados pela crueldade humana, além de avançar nas curas, reconciliação e perdão aos inimigos.

Muitas iniciativas entre religiões têm tido contribuições decisivas para a paz; por exemplo, diferentes configurações de indígenas, hinduístas, budistas, jainistas, sikh, yazidis, judeus, cristãos, muçulmanos, e outros representantes religiosos (incluindo mulheres e jovens) têm ajudado a mediar conflitos entre grupos, proporcionar reconciliação, justiça e misericórdia em suas comunidades. Logo, essas comunidades em conflito foram ajudadas a re-imaginar seus futuros, reafirmar suas esperanças, tratar os malefícios do passado, curar-se e avançar juntos.

Há também inúmeros exemplos de profundas e transformadoras intervenções globais de líderes religiosos em incentivar líderes políticos na busca da paz. Pacem in Terris desempenhou um papel histórico na Crise dos Mísseis de Cuba para ajudar os Estados Unidos e a União Soviética a encontrar uma solução para o controle de armas, ou seja, o Tratado de Interdição Parcial de Ensaios Nucleares de 1963 e o Tratado de Não-Proliferação Nuclear de 1968. Em 1989, no Acordo de Taif terminou a guerra civil do Líbano, desarmando milícias, e criou a partilha do poder político entre várias comunidades nacionais. O Vaticano também desempenhou papel decisivo no conflito entre Argentina e Chile, Azerbaijão e Armênia, assim como na guerra civil da República Centro-Africana. Mais recentemente, a Igreja Católica desempenhou um papel importante e profícuo em reunir os partidos conflitantes na Colômbia para negociar e entrar em um acordo de paz, finalizando o mais duradouro conflito militar no planeta.

O Papel da Ética em Ação

O desafio enfrentado pela Ética em Ação é encontrar passos práticos para uma sabedoria única, bela e que reflita as convicções morais das grandes religiões para ajudar a guiar o mundo à beira da guerra para uma visão de paz positiva enraizada na relação indissociável entre a revelação da dignidade humana e o avanço do bem-estar comum.

Portanto, a Ética em Ação é a solução naquilo que puder para auxiliar os líderes religiosos a promover a paz. O intuito é mobilizar as comunidades internacionais, científicas e acadêmicas para disseminar a mensagem de que a religião não deve ser instrumentalizada e manipulada em nome de agendas políticas. Pelo contrário, os líderes religiosos se comprometem a reduzir o medo em suas comunidades, combatendo mentiras que acompanham os rumores de guerra, e a promover ativamente as virtudes da paz positiva e as instituições que incorporam e executam essas virtudes. Isso deve incluir a luta contra a propagação do ódio e da violência através da internet e redes sociais.

Neste segmento, propomos, especificamente, as seguintes medidas, tanto em termos de advocacia (ou defesa de direitos) como de nosso próprio engajamento:

Advocacia

  • Requerer à Secretaria Geral das Nações Unidas a inclusão da questão de religião e paz na agenda do Conselho de Segurança durante 2017, como apoio à paz global e desenvolvimento sustentável.
  • Recomendar a criação de um Grupo de Contato Inter-Religioso para a Secretaria Geral e Conselho de Segurança das Nações Unidas.
  • Criar e implementar uma estratégia abrangente, intercultural e de mídia para modificar a narrativa sobre o Islã nos Estados Unidos e Europa, e de minorias em países, majoritariamente, islâmicos.
  • Impulsionar a criação de um fundo para redução de gastos militares e realocação de recursos para financiar o desenvolvimento sustentável (o “Fundo Isaias” ou o “Fundo Papa Paulo VI”).
  • Impulsionar em busca de um mundo livre de armamentos nucleares (seguindo o apelo de muitos líderes religiosos, incluindo a súplica do Papa Paulo VI ao desarmamento multilateral nas Nações Unidas em 1965 e a condenação moral do Papa Francisco às armas nucleares em sua Mensagem do Dia Mundial da Paz de 2017).
  • Impulsionar a implementação completa do Acordo de Paris e sensibilizar sobre as relações entre as mudanças climáticas e conflitos.

Engajamento

  • Produzir uma declaração pública conjunta por líderes religiosos que represente um apelo coletivo de ação para o despertar da moral e da ética para apoiar a promoção da paz positiva.
  • Promover, de forma abrangente, a virtude da resolução de conflitos por meio da não-violência.
  • Assegurar ampla participação de comunidades e líderes religiosos na Marcha Mundial Climática em 29 de abril.
  • Organizar campanha de Ética em Ação/Religiões pela Paz para a cura e reconciliação na Síria.
  • Desenvolver e disseminar, por meio de redes religiosas, um currículo de educação em Ética em Ação para promover a cultura da paz.
  • Trabalhar com fundações para apoiar iniciativas inter-religiosas de base em comunidades multi-religiosas em conflito.
  • Alcançar os líderes dos grupos de desarmamento nuclear para oferecer suporte às comunidades e aos líderes religiosos.
  • Usar e aprofundar os canais de comunicação de paz, utilizando púlpitos, congregações e também redes sociais.

 

[1] Expressão original “beat/turn swords into ploughshares” é de origem bíblica, e segundo o Cambridge Dictionary, significa viver de um modo pacífico e investir em soluções de paz em vez de armas.
[2] The Golden Rule.

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