Plataforma digital colaborativa e educativa: uma ideia para colocar em prática

Bráulio Gabriel Gusmão* | Brazil

Plataforma digital colaborativa e educativa: uma ideia para colocar em prática

Minha proposta é formulada a partir dos inúmeros discursos e exemplos que tivemos nesses dois dias, bem como do reconhecimento de que ainda vivemos o problema e os efeitos do colonialismo e/ou neocolonialismo, por exemplo, no não reconhecimento de outras realidades (povos originários), na pobreza, na exploração do trabalho e nos efeitos das mudanças climáticas. Uma crise socioambiental, como nos alerta o Papa Francisco.

Uma maneira de compreender essas situações é reconhecer que estamos diante de algo que pode ser chamado um “wicked problem” (um problema perverso, em tradução livre), usado para descrever problemas complexos e persistentes que são difíceis ou impossíveis de resolver completamente. São caracterizados por múltiplas causas e diferentes perspectivas, por vezes contraditórias, assim problemas perversos não possuem uma solução única ou clara.

O professor Bhabha enfatiza este aspecto da complexidade. Os efeitos do colonialismo são exemplos claros de “wicked problems”, que muitas vezes surgem como sintomas de sistemas maiores e mais complexos. Como citou o professor Boaventura, ao se referir ao capitalismo.

Resolver “wicked problems” requer abordagens colaborativas e adaptativas, envolvendo múltiplas partes interessadas e abrangendo uma variedade de perspectivas e disciplinas. Não há soluções rápidas ou fáceis para esses problemas, e é importante reconhecer a natureza complexa e em constante evolução desses desafios.

Aqui menciono as conclusões trazidas pelo professor Paul Kirschen que nos apresenta algo como um mapa ou caminho para chegarmos a soluções. Basicamente considera os envolvidos ou atingidos como parte da solução. No mesmo sentido, o professor Farrell mostra como dados numéricos podem ser usados com dados de vivência (eu inventei isso agora).

Essas abordagens vão na direção daquilo que nos apresentou Raquel Fajardo, ao propor a superação da ideologia da inferioridade, o respeito aos sistemas jurídicos e ao pluralismo jurídico igualitário. Algo assim é inovador, pois é fundamentalmente diferente do modelo colonial e próprio dos modelos de exploração, que tem como perfil o de não olhar para a vítima, como enfatizou Puleio.

O trabalho realizado pelo Judiciário no Peru, mencionado por nossas colegas, que trata do design de um projeto de acesso à justiça é revelador, pois nosso sistema é fundado no princípio da inércia. O juiz não deve se mover, mas esperar a provocação das partes interessadas na solução do conflito.

Como nos disse o professor Boaventura, somos parte do problema e podemos ser parte da solução, contribuindo para redistribuir o medo e a esperança. Conclui no sentido de que os juízes devem estar organizados.

Destaco aqui também alguns comentários para mostrar uma certa coerência do que ouvimos nestes dois dias:

Com Lightfoot, deduzi que o agir comum é importante, e que todos devemos fazer parte da solução.

Grosfoguel pede que criemos uma agenda de trabalho não fixada no modelo eurocêntrico e passemos a ver o mundo como parte de um projeto civilizatório para a vida e não para a morte do planeta. Ele enfatiza que nosso pensamento ainda é colonial e que precisamos nos descolonizar, identificando a dominação colonial e enfrentando-a, como no caso do patriarcado.

Finalmente, com Pamela Washington, ao mostrar o quanto ainda estamos distantes de compreender a experiência de uma pessoa negra.

Em suma, para lidar com o problema perverso criado pelo colonialismo ou neocolonialismo, é importante reconhecer a sua complexidade e a natureza multifacetada. A abordagem colaborativa e adaptativa envolvendo múltiplas partes interessadas e abrangendo uma variedade de perspectivas e disciplinas é fundamental.

Precisamos atuar na criação de protocolos descolonizadores e identificar a dominação colonial e enfrentá-la. Como nos lembra Ochoa, devemos atuar na busca de novas narrativas, a partir do mandamento cristão do amor ao próximo, de modo a celebrar a vida e não a morte.

Fico com Ailton Krenak (líder indígena e escritor brasileiro) em seu livro Ideias para adiar o fim do mundo, aponta que a estruturação da humanidade moderna, baseada na ideia de dominação e exploração insustentável da natureza, tem colocado em risco a pluralidade de culturas de comunidades tradicionais que compreendem a sua existência atrelada à sobrevivência dessa própria natureza.

De certo modo, precisamos nos caminhar para uma mudança de vida, pessoal e comunitária. Uma atuação coletiva, colaborativa e solidária.

A ideia que trago é simples para o momento, porque precisamos começar de algum lugar:

Considerando o grande patrocinador deste movimento, o Papa Francisco, e a partir de seus textos em Laudato Si’ e Fratelli Tutti, proponho que trabalhemos todos aqui presentes na criação de uma plataforma digital colaborativa e educativa.

Ela pode ser criada para conciliar boas práticas, estudos e decisões judiciais relacionadas ao problema persistente e complexo do colonialismo ou neocolonialismo, mas especialmente das ações para sua superação. Pode envolver múltiplas partes interessadas e abranger uma variedade de perspectivas e disciplinas, buscando soluções colaborativas e adaptativas para os “wicked problems”. Sua base de orientação deve estar baseada nos ensinamentos e diretrizes apresentados pelo Papa Francisco, bem como enfatizar a solidariedade, o respeito ao pluralismo jurídico igualitário e a superação da ideologia da inferioridade. Seus membros devem, além de buscar essa transformação comunitária, buscar uma sincera mudança de vida pessoal, tudo baseado na harmonia com a natureza e na solidariedade.

A seguir, proponho a seguinte estrutura para essa ideia, caso seja posta em prática:

Abordagem colaborativa: a plataforma deve ser projetada para envolver múltiplas partes interessadas, como pesquisadores, profissionais do direito, líderes comunitários e membros da sociedade civil, para trabalhar juntos na identificação de soluções para os problemas.

Acessibilidade: a plataforma deve ser acessível para pessoas de diferentes regiões geográficas e contextos socioeconômicos, utilizando tecnologias que permitam o acesso fácil e rápido para todos os usuários.

Conteúdo educativo: a plataforma deve incluir conteúdo educativo, incluindo estudos de caso, informações históricas, análises e decisões jurídicas, além de outras fontes de informação confiáveis e atualizadas.

Participação ativa: os usuários da plataforma devem ser incentivados a participar ativamente na discussão e na geração de soluções, tais como fóruns de discussão, enquetes, grupos de trabalho e outras ferramentas de colaboração.

Abordagem adaptativa: a plataforma deve ser flexível e adaptativa, permitindo a incorporação de novas informações e soluções conforme o problema evolui (lembrem-se, ele é perverso e mutável), além de permitir a realização de revisões regulares para avaliar a eficácia das soluções adotadas.

Respeito ao pluralismo: a plataforma deve ser projetada para respeitar o caráter plural das perspectivas, culturas e experiências, incluindo a incorporação de soluções que reflitam diferentes contextos e realidades.

Compromisso com a mudança: a plataforma deve ser parte de um compromisso maior com a mudança social e a promoção de uma sociedade mais justa e igualitária, buscando soluções sustentáveis e eficazes para problemas complexos e persistentes.

Contato pessoal: obviamente não devemos nos concentrar apenas no digital, uma vez que o contato pessoal e a experiência das diversas realidades são elementos fundamentais para a criação de uma plataforma colaborativa e educativa eficiente. Com efeito, a plataforma deve ser um espaço para a troca de experiências e conhecimentos entre os seus integrantes.

Como exemplo dessas trocas devemos buscar realizar eventos presenciais, tais como, fóruns, workshops, seminários e experiências de vida (um estar juntos). Esses eventos podem ser realizados em diferentes regiões geográficas, para que pessoas de diferentes lugares possam participar e compartilhar suas experiências e conhecimentos.

Por fim, a plataforma deve ser pensada de forma inclusiva, de modo a garantir a participação de pessoas com diferentes formações, habilidades e níveis de acesso à tecnologia. Para isso, é preciso pensar em estratégias que garantam a acessibilidade digital e que levem em consideração as necessidades específicas de cada grupo de participantes.

 

* Juiz do Trabalho. Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região. Paraná. Brasil.